A Capoeira e o Código Penal
XXII - Ascensão Social e Cultural da Capoeira
(Waldeloir Rego Capoeira Angola 1968)
Negros que vão levar açoutes -
Frederico Guilherme Briggs
Rio
de Janeiro 1832-1836
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O capoeira desde o seu
aparecimento foi considerado um marginal, um delinquente, em que a sociedade
deveria vigia-lo e as leis penais enquadra-lo e puni-lo.
A primeira codificação penal brasileira, ou seja, o Código
Criminal do Império do Brasil, de 1830, a ele não se refere especificamente.
Como socialmente o capoeira era visto com um marginal, um vadio e sem profissão
definida, daí está implicitamente enquadrado no capítulo IV, artigo 295, que
trata dos vadios e mendigos. Esse fato levou o jurista João Vieira
de Araújo, ao comentar o Código Penal de 1890, na parte referente ao capoeira,
a dizer que o Código Criminal de 1830 não o mencionava destacadamente, porque
então não havia surgido o capoeira; que é delinquente indígena, porém muito mais moderno.
Entretanto, o Código
Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, instituído pelo decreto número 847, de 11 de outubro de 1890 e que
vige até hoje entre nós, deu-lhe tratamento específico no capítulo XIII,
intitulado Dos vadios e
capoeiras nos artigos que se
seguem:
Art. 402. Fazer nas
ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida
pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos
capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando
pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal;
A penalidade é a do
art. 96.
Parágrafo único. É
considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou
malta.
Aos chefes ou cabeças,
se imporá a pena em dobro.
Art. 403. No caso de
reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400.
Parágrafo único. Se for
estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.
Art. 404. Se nesses
exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar alguma lesão corporal,
ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem, a tranquilidade ou
segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas
penas cominadas para tais crimes.
Fazenda Boa Vista situada no município de Paraíba do Sul |
A legislação sobre os capoeiras não ficou somente aí.
Acordaram os legisladores da necessidade de maior repressão e se idealizarem as
colônias correcionais, o que se verificou logo após a publicação do Código de
1893, com o decreto número 145, que autoriza o governo a instituir uma colônia
correcional, no próprio nacional denominado Fazenda da Boa Vista, na Paraíba do
Sul ou onde melhor lhe parecer. O decreto, na sua essência, assim regula a
matéria:
Art. 1°. O governo
fundar uma colônia correcional na próprio nacional “Fazenda da Boa Vista”,
existente na Paraíba do Sul, ou onde melhor lhe parecer, devendo aproveitar,
além da fazenda, a colônias militares atuais que a isso se prestarem, para
correção, pelo trabalho, dos vadios, vagabundos e capoeiras que forem
encontrados, e como tais processados na Capital Federal.
Colônia Correcional Dois Rios |
Art. 9°. Os Estados
poderão fundar, a sua custa, colônias correcionais agrícolas, na conformidade
das disposições desta lei, correndo somente a despesa por conta da União, quando
nas leis anuais se votar a verba especial para elas. Mais tarde, o decreto de n.° 6.994, de
19 de julho de 1908, aprova o regulamento que reorganiza a Colônia Correcional de Dois Rios,
cuja parte referente ao capoeira está assim elaborada:
Ruínas da antiga correcional Dois Rios |
“Título II, Capítulo
I–Dos casos de internação”.
Art. 51. A internação
na Colônia é estabelecida para os vadios, mendigos, capoeiras e desordeiros.
Entrada principal da correcional Dois Rios onde ficava o Corpo da Guarda |
Em nossos dias, embora na prática não funcione, a Consolidação das Leis Penais estabelece no seu artigo 46 que:
A pena de prisão correcional será cumprida em colônias fundadas pela União ou pelos Estados para a reabilitação, pelo trabalho e instrução, dos mendigos válidos, vagabundos ou vadios, capoeiras e desordeiros.
Munida de um instrumento jurídico, pôde a polícia dar vazão
aos seus instintos, massacrando a torto e a direito os capoeiras que
encontrava: estivessem ou não em distúrbios, a ordem era o massacre.
Fontes:
WALDELOIR REGO - CAPOEIRA ANGOLA, ensaio sócio-etnográfico, Salvador, Editora Itapoan, 1968
coloniadoisrios-ilhagrande.blogspot