quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A Capoeira e o Código Penal

A Capoeira e o Código Penal


XXII - Ascensão Social e Cultural da Capoeira
(Waldeloir Rego Capoeira Angola 1968)

Negros que vão levar açoutes - 
Frederico Guilherme Briggs 
Rio de Janeiro 1832-1836
O capoeira desde o seu aparecimento foi considerado um marginal, um delinquente, em que a sociedade deveria vigia-lo e as leis penais enquadra-lo e puni-lo.

A primeira codificação penal brasileira, ou seja, o Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, a ele não se refere especificamente. Como socialmente o capoeira era visto com um marginal, um vadio e sem profissão definida, daí está implicitamente enquadrado no capítulo IV, artigo 295, que trata dos vadios e mendigos. Esse fato levou o jurista João Vieira de Araújo, ao comentar o Código Penal de 1890, na parte referente ao capoeira, a dizer que o Código Criminal de 1830 não o mencionava destacadamente, porque então não havia surgido o capoeira; que é delinquente indígena, porém muito mais moderno.

Entretanto, o Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, instituído pelo decreto número 847, de 11 de outubro de 1890 e que vige até hoje entre nós, deu-lhe tratamento específico no capítulo XIII, intitulado Dos vadios e capoeiras nos artigos que se seguem:

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal;

Pena – de prisão celular por dois a seis meses.

A penalidade é a do art. 96.

Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta.

Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dobro.

Art. 403. No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400.

Parágrafo único. Se for estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.

Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem, a tranquilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes.

Fazenda Boa Vista situada no município de Paraíba do Sul
A legislação sobre os capoeiras não ficou somente aí. Acordaram os legisladores da necessidade de maior repressão e se idealizarem as colônias correcionais, o que se verificou logo após a publicação do Código de 1893, com o decreto número 145, que autoriza o governo a instituir uma colônia correcional, no próprio nacional denominado Fazenda da Boa Vista, na Paraíba do Sul ou onde melhor lhe parecer. O decreto, na sua essência, assim regula a matéria:

Art. 1°. O governo fundar uma colônia correcional na próprio nacional “Fazenda da Boa Vista”, existente na Paraíba do Sul, ou onde melhor lhe parecer, devendo aproveitar, além da fazenda, a colônias militares atuais que a isso se prestarem, para correção, pelo trabalho, dos vadios, vagabundos e capoeiras que forem encontrados, e como tais processados na Capital Federal.

Colônia Correcional Dois Rios
Art. 9°. Os Estados poderão fundar, a sua custa, colônias correcionais agrícolas, na conformidade das disposições desta lei, correndo somente a despesa por conta da União, quando nas leis anuais se votar a verba especial para elas. Mais tarde, o decreto de n.° 6.994, de 19 de julho de 1908, aprova o regulamento que reorganiza a Colônia Correcional de Dois Rios, cuja parte referente ao capoeira está assim elaborada:


Ruínas da antiga correcional Dois Rios
“Título II, Capítulo I–Dos casos de internação”.

Art. 51. A internação na Colônia é estabelecida para os vadios, mendigos, capoeiras e desordeiros.

Entrada principal da correcional Dois Rios
onde ficava o Corpo da Guarda
Em nossos dias, embora na prática não funcione, a Consolidação das Leis Penais estabelece no seu artigo 46 que: A pena de prisão correcional será cumprida em colônias fundadas pela União ou pelos Estados para a reabilitação, pelo trabalho e instrução, dos mendigos válidos, vagabundos ou vadios, capoeiras e desordeiros.
Munida de um instrumento jurídico, pôde a polícia dar vazão aos seus instintos, massacrando a torto e a direito os capoeiras que encontrava: estivessem ou não em distúrbios, a ordem era o massacre.

Fontes:
WALDELOIR REGO - CAPOEIRA ANGOLA, ensaio sócio-etnográfico, Salvador, Editora Itapoan, 1968
coloniadoisrios-ilhagrande.blogspot

terça-feira, 20 de setembro de 2016

PASTINHA E BIMBA
CAPOEIRA ANGOLA E CAPOEIRA REGIONAL
“sincretismo” e “antissincretismo”

O debate sobre mistura e pureza está presente na Capoeira desde a década de 1930, quando mestre Bimba desenvolveu a Capoeira Regional, misturando elementos de lutas como o boxe, o jiu-jitsu e a luta livre. Nesse processo, mestre Bimba também retirou alguns instrumentos associados à prática do Candomblé como o agogô e o atabaque.

Mestre Bimba, contudo, o fez conscientemente, já que a prática da Capoeira, assim como o próprio Candomblé, eram denominados de “crime de vadiagem” (Reis, 2000). Depois das alterações de mestre Bimba, a Capoeira foi institucionalizada, fato que abriu espaço para a institucionalização da Capoeira Angola quase uma década depois.

A ideia de que mestre Bimba poluía a capoeira tradicional se disseminava. Foi quando mestre Pastinha organizou seu grupo de Capoeira Angola afirmando as raízes puras da Capoeira tradicional.

Nesse sentido, Mestre Pastinha foi um agente do “antissincretismo” da Capoeira, enquanto que mestre Bimba em sua prática da Capoeira Regional se afirmou como um agente de “sincretismo”; ambos construindo identidades distintas entre si, no interior do universo da Capoeira, relacionadas aos seus respectivos posicionamentos políticos.

Mestre Bimba mantinha sua relação com a religião afro-brasileira, sua criação da Capoeira Regional não foi motivada por questões religiosas, mas sim por questões políticas, ele queria que a Capoeira fosse eficiente como luta marcial e valorizada pela sociedade e o conseguiu.

Os herdeiros da tradição de mestre Bimba não vincularam à “etnopolítica” 
(Agier, 1992) aproximando-se da reivindicação junto ao Estado para que a Capoeira seja inserida nos jogos olímpicos e nas escolas. Já os herdeiros da tradição de mestre Pastinha, afirmam seu posicionamento “etnopolítico” que envolve a religião afrodescendente.

FONTE: Celso de Brito, Debates do NER, Porto Alegre, ano 12, n. 19 p. 53-75, jan./jun. 2011